3 de setembro de 2010

ConstanteMente.

Ao descer as escadas do meu apartamento, indo para o trabalho bem cedo, me deparo com um velho gordo, bigodudo, com cara de sujo sentado à frente do seu portão em uma cadeira de madeira velha quase quebrando com seu peso enorme.
Ele está alí. Todo dia alí. Bem cedo alí.
Fazendo o que todo dia alí? Não sei.
Respiro três vezes ao passar por ele para não fazer tal pergunta e sigo meu caminho. Ao longo dele vejo cada vez mais fatos intrigantes.
À frente, uma mulher tenta colocar sua filha em um transporte escolar, ela chora demais, agarra-se no pescoço da mãe e esperneia não ir à escola. Toda manhã ela chora. Chora um choro agudo e preguiçoso,aquele que ninguém quer ouvir às 7:30 da manhã.
Corro daquilo e logo à frente me deparo com uma senhora com seus cabelos grisalhos e descabelados, um vestido vermelho florido. Flores verdes e amarelas. Varrendo a frente de sua casa. O seu grito para "Xuxinha" (seu cachorro) "entrar pra dentro" adoece meu tímpano e me faz despertar em instantes.
Pego a tal nada inspiradora van e recomeça o transtorno. Todos os dias são intrigantes, mas nesse, foi revoltante.
Eu, já atrasada, entro na van já cheia de espaços inadequadamente ocupados de pessoas atrasadas e stressadas, vejo três pessoas nos dois lugares na frente, quatro com o motorista, cinco com o trocador de pé entre o motorista e a porta. Nossa, me senti sufocada só de olhar.
Em meio a tanto 'sufoco', presto atenção no assunto mesmo sem querer. Não me interessava um assunto vindo dalí.
O menino com um 'abadá' coral flúor, uma toca preta e uma pulseirinha de miçangas rosa, esmagado entre a porta e o motorista, vira-se para trás e diz:
-"Aí", viu o acidente que teve alí no Cebolão?
- "Bagulho doido irmão". Disse o motorista
- O 'que quê' aconteceu alí? Perguntou uma menina loira, que se não fosse pelo assunto dela, até a acharia 'normal'.
- O ''homi'' foi atravessar a rua e o rolo ''compressô'' ''passô'' por cima dele. Contou o micareteiro.
- Que isso cara! Morreu na hora né? Disse a loira.
- Não ''pô'', um ''tratô'' vai ''passá'' por cima de mim e ''vô'' ''ficá'' 'vivin da silva''.
- Babaca!
(Risos)
- (Risos) Imagina como ele não "ficô", deve ''de'' ''tê'' ficado ''ingual'' desenho, ''ingual'' um papel. Disse um alheiro, que para mim, devia ter recolhido sua insignificância.
- "Burrão". "Falaru'' que "eles tava" bêbado, "or dois". Se fosse eu, teria assoprado o dedão que voltava ao normal. Disse o trocador, que para mim, nem devia ter nascido.
Após essa conversa, minha cabeça deu pane de tanta raiva daquelas pessoas.
Porque riam de algo tão sério? Porque falavam tão errado?
Enfim, cheguei.
Horário de almoço. Atravesso as quatro pistas das Américas.
Almocei. Volto as quatro pistas das Américas.
18:00 Atravesso novamente as quatro pistas, espero a tenebrosa van, que chega obviamente lotada. Primeira pessoa a descer. Benção? Não, desgosto!
SEMPRE tem uma barraqueira dentro da van.
Quando uma pessoa desce, a briga começa.
Entro na rua "pisando em ovos". As mães parideiras largam seus milhares de filhos na rua sendo dia ou noite. Às vezes até consigo escutar: "Josaline vem 'jantá' a-g-o-r-a", deve ser mistura do pai José e da mãe Aline. Povo criativo.
E sim, tem uma Josaline. Onde não tem? E deve se escrever com'y'.
Chego ao portão do meu apartamento e só para ter a certeza de que não sou louca ou estou falando demais, olho para trás. Lá está ele.
Velho, gordo, bigodudo, sujo, sentado à frente do seu portão.

Pêsames cadeira de madeira e até amanhã de manhã bem cedo.